7.11.11

um diálogo daqueles que voam...


Dois pássaros, melhor, dois passarinhos daqueles bem miúdos e fagueiros, após se deliciarem com piruetas e rodopios ao ar, pousam satisfeitos em uma árvore que dança com o vento. Lá de cima, altivos, observam seres humanos, que sob suas patas, passam apressados em movimentos marcados como um grande musical da Broadway sobre a vida das formigas. Avivados por um 12 anos, os passarinhos atingem um momento da conversa que chama, convida, clama minha atenção:

- Sabia que eles chamam isso que nós fazemos de voar. Vê se pode!
- Eles quem? - falando isso enquanto se serve de mais uma dose.
- Eles! - com a pena indicadora aponta para baixo - Os humanos!
- Ah tá... - risca um fósforo em acende um cigarro - mas porque eles fazem isso?
- Sei lá. Eles dão nome para tudo. Outro dia ouvi um deles falando de um tal de amor. Não entendi muito bem não, parece que é algo fundamental à vida deles mas que nem todos têm, ou não encontram ou quando tem, geralmente perdem.
- Engraçada essa mania deles de conceituar. Deve ser bem louco existir nomes para tudo que sentimos. Cada momento nosso iria passar a ser definido de alguma forma.

Respeitando a elipse temporal de um maço de cigarro, a garrafa de uísque seca enquanto o papo segue seu fluxo, já sem muita fluidez. Gargalhadas cortam qualquer tipo de raciocínio, e a conversa ganha contornos dionisíacos e despreocupados. Quando tomado por um rompante, um dos amigos esbraveja:

- Eu vôo!! Vem cá, tu voas?
- Eu não, mas com certeza ele voa - apontando com a pena indicadora um pássaro taciturno em outro galho e rindo descaradamente da própria piada - Ele voa, ele voa...
- Nós voamos? - a piada prossegue - Acho que nós, nem vós, temos a mínima noção de realizar essa dura tarefa - gargalham mais e mais - Mas eles, eles com certeza voam, voam muito. - apontando agora para os transeuntes humanos sob suas patas cambaleantes.
- Que nada, que otimismo o seu! Voar é um verbo que a alma humana ainda está longe de saber conjugar.


Um breve e cheio silêncio cala os amigos. A angústia de certa forma os invade e eles voam...

3.8.11

Talvez uma crônica sobre um possível estado de amor.



-Por favor, um nada como ponto de partida. E mais nada.

Dizia isso enquanto tentava assimilar pequenos espasmos, contrações involuntárias da alma e o inefável tesão de dormir para sonhar. Ela por sua vez, imbuída daquela beleza ímpar que as mulheres fazem questão de ter depois que gozam, vestia novamente a calcinha que deslizava perfeita entre coxas até atingir os portões labiais. Nesse momento percebi essa moça ainda mais digna de sua feminilidade, pois é uma virtude das mais carinhosas manter o sagrado como secreto, ratificando a conquista como necessária para eu penetrar em seu corpo novamente. Já de calcinha, tentava travar um entendimento sobre minhas divagações, um tanto quanto soltas, sobre o nada. Acho que ela tinha esse ímpeto apenas pela obediência cega das mulheres a seu instinto de falar e falar no pós-coito. Eu por outro lado, sonhava com meu sono, ao mesmo tempo que tinha uma rara interlocutora disposta a ouvir o que muitos não entendem. Então, desculpei-me com meu cochilo e me pus a tergiversar. Com afinco, comecei minha defesa para o nada ser um grande projeto entre duas pessoas. Primeiro questionei sobre a fidelidade carnal entre dois, afirmando a prepotência de um homem quando o mesmo se intitula capaz de satisfazer uma mulher durante a vida inteira e vice-versa. Algo que ela logo arrumou uma justificativa, apoiando-se óbvia e irredutível na maturidade do sentimento, ou seja, aquele velho senso comum de que a paixão evolui para algo maior: o amor. Percebendo que perante argumentos pétreos mundanos a argumentação contrária fica muito prejudicada, calei-me. Ela, sentindo-se fortalecida pelo meu silêncio, envolveu-me no discurso da construção de um caminho comum a dois, enaltecendo o companherismo como um caminho para entender as pequenas felicidades, utilizando-se daquela transa de ladinho sob cobertas em um dia frio como exemplo. E por aí a conversa seguia. Tratamos com delicadeza discordante todas as formas de sentir, eu sempre me utilizando do nada e ela do tudo. Nada pela abstração do próprio sentimento em si, e tudo pela desesperada tentativa de concretizar o mesmo. Com certeza é mais fácil entender um copo do que ter algum entendimento sobre a raiva. E assim fomos nessa peleja saudável, saudável digo, pois admiração era a coisa mais espontânea em mim, já que ela (só de calcinha) em uma das mãos segurava uma taça de vinho e com a outra tragava algum cigarro. Como se é de imaginar, essa conversa ganhou contornos infindáveis e calamos. Então o olhar começou a tagarelar, olhando e sendo levado pelo o que é visto. Depois deste breve e cheio silêncio, enquanto ela vestia-se e preparava uma despedida, balbuciei sem muita convicção as seguintes palavras:

- Nada é um sentimento virgem...

De súbito ela parou, não só ela mesma, mas tudo que havia em volta. Magicamente suas roupas recém-vestidas desapareceram, conservando apenas a calcinha(santa calcinha!). Não transamos, nos consumimos, pois cada parte dos corpos ali presentes tinha uma vivência escandalosa.

Hoje tenho sessenta e cinco anos e ela sessenta e três. E desde esse dia, entre cachorros, gatos, homens e mulheres... juntos vivemos.






7.7.11

adul tecendo.


Decidi não amar.
Fiz a barba, cortei o cabelo, dei o nó da gravata.
Encarei-me, amarelando o sorriso, esperava um abraço.
O último - o último carinho sem cobrança -
onde a alma atordoada e perto de sua fuga, duvida dela própria.
Foge, foge... minha vilã de romances impossíveis,
aliciadora maquiavélica de olhares que ainda revelam uma criança,
quero que corra, quero que morra.
Morre, para eu nascer nesse mundo,
assinar esse grande contrato
e selar a paz com minha maturidade.
Sim... perdi e agora sou um homem
tentando lidar com esses bichos esquisitos que abocanham a cada dia
aquilo que ainda me resta.
Mas nem resto tenho,
o que me era forte nem força tem.
Ignorei com a elegância de um hirto cidadão
meus sentimentos.
Por isso amo,
sem a fragilidade doentia de quem sente,
amo me adequar e acarinhando o comum
solto a mão de minha criança que serelepe corre para o "nunca mais".
A paixão agora é meu estado risível de ser,
onde eu--homem
piso em flores,
repudio com incêndio os verdes jardins
e vinagro os mais deliciosos vinhos.
Mas ainda duas fraquezas me elevam:
a Chuva e a Lua.
A primeira lava a outra aquece.
Comprei um guarda-chuva, mas a Lua...
me arrebata quando distraído e
ainda sou visto despenteado, barbudo, sem camisa...
imaturo sob Seu brilho,
sorrindo em silêncio.

5.5.11

um dia.




Olhos embaçados de mais uma madrugada
levanta feio, mesmo que bonito tenha que ser.
Mija toda tábua preguiçosa que ali fica,
embebida de seu banho morno.
Ele a levanta - mais uma economia de tarefa -
e esta já são muitas em menos de meia-hora:
Banho, dentes, roupa, cabelo e barba.
O pequeno diálogo com o espelho,
torna a aspereza de sua mulher
algo suportável, o amor maduro.
Taciturno, o sorriso aparece
em prece, numa música de John Lennon,
enquanto enfrenta a peleja de sobreviver
a mais um dia D trabalho.
Almoçado mas ainda na hora do almoço,
fuma seu cigarro quase proibido
assistindo o filme de sua infância
numa criança que fagueira escala uma árvore.
Uma inocente lágrima escorrega em seu rosto,
ele logo a detém.
Homem não chora!
A volta é tão difícil quanto a ida,
mas tem que voltar e
ter com algo mais angustiante:
sua casa, lar doce lar.
A mulher com roupa de academia esquenta
a comida que continua fria, sem carinho.
Logo contas deitam em seu colo,
e a mulher vidrada na Globo.
O abismo entre dois abrevia seu deitar,
dentes escovados e mais um diálogo com o espelho.
Deita na esperança de sonhar.

18.4.11

poema feio



Um eu depois de mim
é aquele velhinho que sorri da primeira palavra sem motivo,
do feliz poema mal escrito.

Rabisco um sentido que não caminha,
que tropeça em meu corpo para compor a alma,
uma aquarela infantil
de casinha com duas janelas, uma árvore e arco-íris.
Mas tento
aquilo que ainda não sinto
e para ser alegre minto
em minha própria maneira de ser,
de escrever.
É o vento que desenha meu olhar
e este, por sua vez,
insiste em não ventar.
Calmaria em frente ao espelho
meu silêncio grita minha imagem oca
e minha imaginação árida de televisão
derrete meu lindo dia de Sol.
Então rogo com afinco de uma carola

um eu depois de mim

e quem sabe assim
mais que de repente
termino o fim.

22.3.11

Excelentíssimo Senhor Doutor Sentimento.




Uma pedra,
um buraco
e comigo um peito marcado.
Manchado na agonia de resistir,
arranco com vivos olhos de cão brincalhão
a pedra do buraco.
Com a mesma entre os dentes
sorrio com o rabo para meu Dono.
Ele acende um cigarro
e ao vento sopra pequenos e poucos assuntos.
Trabalho, futebol, vida alheia, sucesso, dinheiro.
Meu latido rompe sua fala muda
e aquela forma sem forma
branca e colorida
concreta e abstrada

( meu Dono)

precipita-se em minha pedra
e chovendo venta esta para
o buraco.
Lacrimejante deito meu olhar-cão
na pedra-buraco.
Castrado,
mais uma vez enterro
a possibilidade feliz
de amar.

10.3.11

bloquinhos.


Risos segredam a palhaços

a alma sugada por um aspirador-de-pó diante as mais diversas fantasias inertes, um sorriso. Plásticos em bolhas de self, foliões caminham afoitos como um formigueiro desesperado sob o pé de uma criança. Eles picam, mordem, beijam na arredia vontade de satisfazer a prepotente vaidade da beleza que não têm. E morrem... . Morrem no olhar, na alegria de não se enxergar, na oportunidade de queimar as asas azul-bebê e lançarem seu grito-queda-livre para os quatro cantos do abismo. Então vá minha criança... pise em formiguinhas, aquelas mesmo de óculos ray-ban e figurinos enrijecidos pelo nosso grande ditador: A Moda.
Assim talvez, pelos pés de uma nobre criança, o sentimento mais digno do carnaval possa abrir sua gaiola e gritar sua fúria dionisíaca. Libertem a Liberdade ! Ser conceito é muito pouco para a mesma, um sentimento engaiolado não provoca orgasmos anímicos, apenas ingere fast-food de carnaval, logicamente a promoção, que vem com batatinhas, o concorrido refrigerante e bastante ketchup.
Então ela vai, minha criança arredia, pisando serelepe em cada um de nós arranca o sangue que precisa sangrar para a imortal liberdade seguir sua peleja de sentir.

Quem sabe assim veremos...
tanto riso,
tanta alegria e
mais de mil palhaços no salão.

14.2.11

dengo.




Dente afiado que toca o osso
copulando com a carne - estupro decente
ejacula sangue seu
para alma minha
que embebida e vermelhinha
assume sua vontade
de mordida.

14.1.11

Cusparada


Tudo é uma dor solitária, um momento abundante de sentimentos e coisinhas que se traduzem na prepotência do entendimento. A vida é um eterno cio de animal ávido e raivoso por paixões que enchem nossos copos de cerveja-amiga-gelada para uma enxurrada que provoca mortes em nosso coração e fertilidade em nossa mente infectada pacientemente pelo terrível vírus do sentimento-conceito. Saltarei sem asas a procura das mesmas, quem sabe eu não caio em um carro conversível (aqueles de road-movie) com uma longínqua estrada velha-fantasma onde todos meus pensamentos tenham espaço para amar. Rasgando meu papel de ator-social, apedrejarei janelas blindadas de casinhas felizes que enclausuram meus anseios sentimentais na idiossincrasia do conceito pequeno-burgues de sentir a explosão imensurável do momento. Dançarei à beira do abismo com uma bíblia em punho, esperando que deus ( jesus, maomé, buda, oxalá...) me ofereça um pedaço psicodélico de seu corpo e finalmente meu orgasmo será múltiplo, fruto da verdadeira tensão que é viver, encontrar, acarinhar, cheirar, trepar. Enfim serei um grande instrumento e me tocando, tocando, tocando... terei a humildade de criar uma música que todos dancem.