8.3.13



Índigo ou anil.







Negro como uma ovelha,
encaro pastores de um rabanho duvidoso.
Duvido,
invento espaços de não conivência.
Apago a luz e acendo uma vela,
credibilidade do fogo para ver mais claro.
Quente, arriscado.
Pinto um quadro,
Tintas de cores doces têm a liberdade do encontro.
A felicidade de colorir é amor.
Preto, amarelo, vermelho, azul, verde, branco ...
tudo que é amor merece um quadro.









22.11.12

Um rio e algumas pedras.




Já não podemos silenciar. 
Calar é dor abismal. 
O silêncio provoca ilhas de angústia, flutuamos em um mar de almas.
A mediocridade humana assumiu o silêncio como perigoso. Combate-se o silênciio com armas poderosas: carros, bebês chorosos, mães escandalosas, pais brutais, aviões, igrejas e filmes de Hollywood. 
E é nessa barulheira imensurável que o procuro. Procuro o silêncio que me arrebata...
silêncio onde falo o que devo, silencio que me faz calar, que diz, que fala de minha longínqua morte como algo presente no meu café preto pela manhã. 
Em silêncio nos cobramos aquilo que ainda nem tentamos, por uma preguiça mundana de  termos o controle. Silêncio que passa sempre apressado por nossos olhos cansados, e quando uma lágrima o denuncia... calamos - alguns pequenos instantes de puro prazer e angústia - os sons se assumem tão altos que já não podemos ouvir. Tudo invade! Sentimos então uma pena mortal de uma semente de flor abandonada ao asfalto seco ou de um bom velhinho que ainda insiste em carregar o peso-cruz da sobrevivência. 
Em barulhos tentamos o silêncio. Mas silêncio de insistência não é silêncio. Silêncio é invasão. É dor de morte. Silêncio é uma revolta de sua alma para não mais ter que responder. É um minuto de cigarro.
Hoje, corri para meu silêncio. Encontrei uma dificuldade bestial em o encontrar. Mas achando, não  o entendi. Não mais conversava comigo, ou melhor não mais pedia com extrema delicadeza que palavras saissem de minha boca. Deve ser minha alma cansada em conviver com um amor  impuro. Já não falo com meu silêncio, já não sinto o calor de seu carinho, o conforto de seu inconformismo.  
Então, entrego-me a dor de minhas palavras, em silêncio. E calando, tento voltar a ouvir. Pois acredito que ouvindo,  perceberia o caminho perfeito para amar.
E amando de peito estufado, meu silêncio voltaria a tagarelar e a sorrir.
Silêncio, 
meu amigo, 
estou chegando.






13.11.12

Portas




Chuva, um bom sinal para ficar.
Em um mundo de cobertas 
te caço,
um animal ávido e faminto 
de alma.
Dou o bote e espero
seu silêncio.
A chuva aperta,
aperto 
seu corpo.
Paro.
Sair é covarde.
Prefiro a inércia de uma paixão
que cria seu próprio mundo,
onde nós flores crescemos sem porquê. 
Lá fora tudo alaga
e correntes carregam pessoas 
robotizadas
já não podem molhar.

Guarda-chuvas, medo, carros.

A dor do sim 
guilhotina
a alegria do não,
enquanto robôs trafegam em contramão
sem noção,
sem criação.

Por isso, mais e mais
cobertas e você.
Descobertas em você.

E que a chuva caia 
e me ensine a não sair...
de dentro de ti. 


20.3.12

depois de você





Abri a janela para um cigarro e o amor se foi. 
Foi porque tinha que ir, 
meu corpo juntamente com minha alma já não dançava.
Flores são estúpidas convenções para um sentimento 
que se esforça para sentir 
enquanto o vinho abandonado teima sobre a mesa, 
como se algo extraordinário ainda pudesse ser servido e degustado.


Nada, apenas vinagre. A dor do vinagre .


O sexo, outrora  imaculado por  olhares lacrimejantes, 
tornou-se um tesão em partes isoladas  e posições. 
O gozo, 
um mero preenchimento de  papelada em uma repartição pública: necessário e sem porquê.
A chuva chove. 
Um certo desespero me faz molhar sob suas gotas que caem doloridas. 
O transtorno do vazio não me deixa lavar, apenas encharca. 
Sou poça, lama e alguns sapos.
Espelho, sim um espelho. 
Preciso de algo concreto para refletir minha estúpida personalidade, 
um último suspiro para enxergar o príncipe adormecido em mim. 
Olho, procuro e não vejo. 
Mas aos poucos, 
minha carcaça taciturna e molhada assume uma forma jovial e brilhante. 
Uma criança emerge entre cores com cheiro.  
Ela se põe a dançar uma música inédita a meus ouvidos 
e eu choro aquele choro engasgado e agudo. 
Percebo-me então ainda capaz de lágrimas, 
e nesta sofreguidão encontro algum sentido para a felicidade.


Da poça há de nascer uma flor. 
Do vinagre há de nascer um vinho.
E da dor, um amor.


Por favor, mais um cigarro!
Eu amo te amar.


7.11.11

um diálogo daqueles que voam...


Dois pássaros, melhor, dois passarinhos daqueles bem miúdos e fagueiros, após se deliciarem com piruetas e rodopios ao ar, pousam satisfeitos em uma árvore que dança com o vento. Lá de cima, altivos, observam seres humanos, que sob suas patas, passam apressados em movimentos marcados como um grande musical da Broadway sobre a vida das formigas. Avivados por um 12 anos, os passarinhos atingem um momento da conversa que chama, convida, clama minha atenção:

- Sabia que eles chamam isso que nós fazemos de voar. Vê se pode!
- Eles quem? - falando isso enquanto se serve de mais uma dose.
- Eles! - com a pena indicadora aponta para baixo - Os humanos!
- Ah tá... - risca um fósforo em acende um cigarro - mas porque eles fazem isso?
- Sei lá. Eles dão nome para tudo. Outro dia ouvi um deles falando de um tal de amor. Não entendi muito bem não, parece que é algo fundamental à vida deles mas que nem todos têm, ou não encontram ou quando tem, geralmente perdem.
- Engraçada essa mania deles de conceituar. Deve ser bem louco existir nomes para tudo que sentimos. Cada momento nosso iria passar a ser definido de alguma forma.

Respeitando a elipse temporal de um maço de cigarro, a garrafa de uísque seca enquanto o papo segue seu fluxo, já sem muita fluidez. Gargalhadas cortam qualquer tipo de raciocínio, e a conversa ganha contornos dionisíacos e despreocupados. Quando tomado por um rompante, um dos amigos esbraveja:

- Eu vôo!! Vem cá, tu voas?
- Eu não, mas com certeza ele voa - apontando com a pena indicadora um pássaro taciturno em outro galho e rindo descaradamente da própria piada - Ele voa, ele voa...
- Nós voamos? - a piada prossegue - Acho que nós, nem vós, temos a mínima noção de realizar essa dura tarefa - gargalham mais e mais - Mas eles, eles com certeza voam, voam muito. - apontando agora para os transeuntes humanos sob suas patas cambaleantes.
- Que nada, que otimismo o seu! Voar é um verbo que a alma humana ainda está longe de saber conjugar.


Um breve e cheio silêncio cala os amigos. A angústia de certa forma os invade e eles voam...

3.8.11

Talvez uma crônica sobre um possível estado de amor.



-Por favor, um nada como ponto de partida. E mais nada.

Dizia isso enquanto tentava assimilar pequenos espasmos, contrações involuntárias da alma e o inefável tesão de dormir para sonhar. Ela por sua vez, imbuída daquela beleza ímpar que as mulheres fazem questão de ter depois que gozam, vestia novamente a calcinha que deslizava perfeita entre coxas até atingir os portões labiais. Nesse momento percebi essa moça ainda mais digna de sua feminilidade, pois é uma virtude das mais carinhosas manter o sagrado como secreto, ratificando a conquista como necessária para eu penetrar em seu corpo novamente. Já de calcinha, tentava travar um entendimento sobre minhas divagações, um tanto quanto soltas, sobre o nada. Acho que ela tinha esse ímpeto apenas pela obediência cega das mulheres a seu instinto de falar e falar no pós-coito. Eu por outro lado, sonhava com meu sono, ao mesmo tempo que tinha uma rara interlocutora disposta a ouvir o que muitos não entendem. Então, desculpei-me com meu cochilo e me pus a tergiversar. Com afinco, comecei minha defesa para o nada ser um grande projeto entre duas pessoas. Primeiro questionei sobre a fidelidade carnal entre dois, afirmando a prepotência de um homem quando o mesmo se intitula capaz de satisfazer uma mulher durante a vida inteira e vice-versa. Algo que ela logo arrumou uma justificativa, apoiando-se óbvia e irredutível na maturidade do sentimento, ou seja, aquele velho senso comum de que a paixão evolui para algo maior: o amor. Percebendo que perante argumentos pétreos mundanos a argumentação contrária fica muito prejudicada, calei-me. Ela, sentindo-se fortalecida pelo meu silêncio, envolveu-me no discurso da construção de um caminho comum a dois, enaltecendo o companherismo como um caminho para entender as pequenas felicidades, utilizando-se daquela transa de ladinho sob cobertas em um dia frio como exemplo. E por aí a conversa seguia. Tratamos com delicadeza discordante todas as formas de sentir, eu sempre me utilizando do nada e ela do tudo. Nada pela abstração do próprio sentimento em si, e tudo pela desesperada tentativa de concretizar o mesmo. Com certeza é mais fácil entender um copo do que ter algum entendimento sobre a raiva. E assim fomos nessa peleja saudável, saudável digo, pois admiração era a coisa mais espontânea em mim, já que ela (só de calcinha) em uma das mãos segurava uma taça de vinho e com a outra tragava algum cigarro. Como se é de imaginar, essa conversa ganhou contornos infindáveis e calamos. Então o olhar começou a tagarelar, olhando e sendo levado pelo o que é visto. Depois deste breve e cheio silêncio, enquanto ela vestia-se e preparava uma despedida, balbuciei sem muita convicção as seguintes palavras:

- Nada é um sentimento virgem...

De súbito ela parou, não só ela mesma, mas tudo que havia em volta. Magicamente suas roupas recém-vestidas desapareceram, conservando apenas a calcinha(santa calcinha!). Não transamos, nos consumimos, pois cada parte dos corpos ali presentes tinha uma vivência escandalosa.

Hoje tenho sessenta e cinco anos e ela sessenta e três. E desde esse dia, entre cachorros, gatos, homens e mulheres... juntos vivemos.






7.7.11

adul tecendo.


Decidi não amar.
Fiz a barba, cortei o cabelo, dei o nó da gravata.
Encarei-me, amarelando o sorriso, esperava um abraço.
O último - o último carinho sem cobrança -
onde a alma atordoada e perto de sua fuga, duvida dela própria.
Foge, foge... minha vilã de romances impossíveis,
aliciadora maquiavélica de olhares que ainda revelam uma criança,
quero que corra, quero que morra.
Morre, para eu nascer nesse mundo,
assinar esse grande contrato
e selar a paz com minha maturidade.
Sim... perdi e agora sou um homem
tentando lidar com esses bichos esquisitos que abocanham a cada dia
aquilo que ainda me resta.
Mas nem resto tenho,
o que me era forte nem força tem.
Ignorei com a elegância de um hirto cidadão
meus sentimentos.
Por isso amo,
sem a fragilidade doentia de quem sente,
amo me adequar e acarinhando o comum
solto a mão de minha criança que serelepe corre para o "nunca mais".
A paixão agora é meu estado risível de ser,
onde eu--homem
piso em flores,
repudio com incêndio os verdes jardins
e vinagro os mais deliciosos vinhos.
Mas ainda duas fraquezas me elevam:
a Chuva e a Lua.
A primeira lava a outra aquece.
Comprei um guarda-chuva, mas a Lua...
me arrebata quando distraído e
ainda sou visto despenteado, barbudo, sem camisa...
imaturo sob Seu brilho,
sorrindo em silêncio.