-Por favor, um nada como ponto de partida. E mais nada.
Dizia isso enquanto tentava assimilar pequenos espasmos, contrações involuntárias da alma e o inefável tesão de dormir para sonhar. Ela por sua vez, imbuída daquela beleza ímpar que as mulheres fazem questão de ter depois que gozam, vestia novamente a calcinha que deslizava perfeita entre coxas até atingir os portões labiais. Nesse momento percebi essa moça ainda mais digna de sua feminilidade, pois é uma virtude das mais carinhosas manter o sagrado como secreto, ratificando a conquista como necessária para eu penetrar em seu corpo novamente. Já de calcinha, tentava travar um entendimento sobre minhas divagações, um tanto quanto soltas, sobre o nada. Acho que ela tinha esse ímpeto apenas pela obediência cega das mulheres a seu instinto de falar e falar no pós-coito. Eu por outro lado, sonhava com meu sono, ao mesmo tempo que tinha uma rara interlocutora disposta a ouvir o que muitos não entendem. Então, desculpei-me com meu cochilo e me pus a tergiversar. Com afinco, comecei minha defesa para o nada ser um grande projeto entre duas pessoas. Primeiro questionei sobre a fidelidade carnal entre dois, afirmando a prepotência de um homem quando o mesmo se intitula capaz de satisfazer uma mulher durante a vida inteira e vice-versa. Algo que ela logo arrumou uma justificativa, apoiando-se óbvia e irredutível na maturidade do sentimento, ou seja, aquele velho senso comum de que a paixão evolui para algo maior: o amor. Percebendo que perante argumentos pétreos mundanos a argumentação contrária fica muito prejudicada, calei-me. Ela, sentindo-se fortalecida pelo meu silêncio, envolveu-me no discurso da construção de um caminho comum a dois, enaltecendo o companherismo como um caminho para entender as pequenas felicidades, utilizando-se daquela transa de ladinho sob cobertas em um dia frio como exemplo. E por aí a conversa seguia. Tratamos com delicadeza discordante todas as formas de sentir, eu sempre me utilizando do nada e ela do tudo. Nada pela abstração do próprio sentimento em si, e tudo pela desesperada tentativa de concretizar o mesmo. Com certeza é mais fácil entender um copo do que ter algum entendimento sobre a raiva. E assim fomos nessa peleja saudável, saudável digo, pois admiração era a coisa mais espontânea em mim, já que ela (só de calcinha) em uma das mãos segurava uma taça de vinho e com a outra tragava algum cigarro. Como se é de imaginar, essa conversa ganhou contornos infindáveis e calamos. Então o olhar começou a tagarelar, olhando e sendo levado pelo o que é visto. Depois deste breve e cheio silêncio, enquanto ela vestia-se e preparava uma despedida, balbuciei sem muita convicção as seguintes palavras:
- Nada é um sentimento virgem...
De súbito ela parou, não só ela mesma, mas tudo que havia em volta. Magicamente suas roupas recém-vestidas desapareceram, conservando apenas a calcinha(santa calcinha!). Não transamos, nos consumimos, pois cada parte dos corpos ali presentes tinha uma vivência escandalosa.
Hoje tenho sessenta e cinco anos e ela sessenta e três. E desde esse dia, entre cachorros, gatos, homens e mulheres... juntos vivemos.
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